Por Geraldo Andrade Carvalho e Luis Clepf Passos
Depto. de Entomologia, Universidade Federal de Lavras, Lavras, MG
O Brasil é um país de destaque mundial na produção agrícola, principalmente de grãos. As condições tropicais propiciam cultivos durante todo ano, sendo que em algumas regiões podem ocorrer até três safras em um mesmo ano. Entretanto, as condições climáticas favoráveis, aliadas a uma alta disponibilidade de alimento, são extremamente favoráveis ao aumento populacional de insetos pragas, principalmente aqueles que se alimentam de mais de um tipo de planta cultivada (polífagas). Consequentemente, a alimentação destes insetos impacta negativamente a produção agrícola, causando perdas qualitativas e quantitativas nos produtos vegetais e, portanto, esses insetos devem ser controlados.
A aplicação de inseticidas sintéticos é a principal tática empregada para o controle de pragas agrícolas no Brasil. Entretanto, o uso indiscriminado desses produtos pode causar diversos efeitos colaterais, como mortalidade de organismos benéficos, contaminação ambiental, ressurgência de pragas secundárias causadas pela extinção de inimigos naturais, seleção de populações de pragas resistentes, entre outros. Sendo assim, é recomendado sempre que possível a utilização de agentes biológicos de controle em programas de manejo de pragas (MIP), seja por meio de preservação de inimigos naturais já existentes nos agroecossistemas ou por liberação inundativa, onde grandes quantidades de insetos são liberadas no campo.
O uso de insumos biológicos para o controle de pragas vem aumentando nos últimos anos em todo o mundo. No Brasil, estima-se um aumento de 10 a 15% na utilização de agentes biológicos a cada ano. Os inimigos naturais podem ser microrganismos que são diluídos em água e aplicados como calda inseticida (fungos, bactérias, nematoides e vírus entomopatogênicos) ou macrorganismos (parasitoides e predadores) que são aplicados em cultivos agrícolas e podem contribuir para a regulação populacional de artrópodes pragas. Dentre os casos de sucesso do uso de inimigos naturais no Brasil destacam-se o ácaro predador Neoseiulus californicus para o controle de ácaros fitófagos; os parasitoides Cotesia flavipes e Trichogramma pretiosum para o controle da broca-da-cana e de outras mariposas.
Os inimigos naturais são muito importantes para o sucesso de programas de MIP, podendo em determinados casos, diminuir de forma acentuada as aplicações de inseticidas. O controle biológico com agentes controladores de pragas contribui para a produção agrícola mais sustentável e atende aos anseios dos consumidores, os quais desejam cada vez mais alimentos livres de inseticidas. Entretanto, na maioria dos casos o uso de inimigos naturais deve ser complementado com aplicações de inseticidas.
Para que seja possível integrar os métodos químico e biológico no controle de pragas, deve-se optar por inseticidas mais específicos aos insetos causadores de danos e com baixo ou nenhum efeito sobre inimigos naturais. É necessário realizar estudos do impacto dos inseticidas sobre organismos benéficos, visando determinar aqueles que sejam seletivos, ou seja, que matam as pragas e apresentam baixa toxicidade aos inimigos naturais.
A seletividade é obtida devido às diferenças fisiológicas e ecológicas entre as espécies de organismos (praga e inimigo natural). Desta forma, tem-se a seletividade fisiológica (devido às características físico-químicas do inseticida), em que o inimigo natural apresenta maior tolerância ao produto em relação à praga-alvo, e a ecológica (relacionada às diferenças de comportamento ou hábitat entre pragas e organismos não-alvos), em que a praga é mais exposta ao produto do que o organismo benéfico em agroecossistemas.
Em geral, para selecionar compostos seletivos aos inimigos naturais, os experimentos devem ser iniciados em laboratório, onde a exposição dos insetos aos produtos é máxima. Isto se deve ao fato de que em condições de laboratório os insetos ficam expostos durante todo o tempo à ação dos inseticidas e a degradação destes produtos é mais lenta em condições controladas, permitindo que o máximo efeito inseticida seja observado. Desta forma, se um inseticida for considerado inócuo em condições de laboratório, certamente será seletivo também em condições de semicampo e campo. Caso não seja inócuo em condições de laboratório, o produto deve ser avaliado em condições de casa-de-vegetação para confirmar sua toxicidade e também sua persistência. Da mesma forma, se o produto for inócuo nestas condições finaliza-se sua avaliação e, caso contrário, o produto deve ser testado em condições de campo, conforme esquema apresentado na figura destacada.
Em suma, a utilização de predadores, parasitoides e microrganismos como fungos, bactérias e vírus é uma realidade no MIP no Brasil. Para que seus benefícios sejam aproveitados ao máximo, estes organismos benéficos devem ser preservados quando estiverem presentes nas lavouras e, se possível, liberados para auxiliar no controle de pragas e reduzir a necessidade de aplicação de inseticidas. Caso ainda seja necessário utilizar inseticidas para o controle de pragas, deve-se dar preferência para inseticidas específicos às pragas e seletivos aos inimigos naturais. O sucesso de programas de controle biológico depende diretamente da utilização de compostos menos impactantes aos organismos benéficos.