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OS VILÕES INVISÍVEIS DA CANA-DE-AÇÚCAR

OS VILÕES INVISÍVEIS DA CANA-DE-AÇÚCAR

Por Alexandre de Sene Pinto, Consultor em Manejo Inteligente de Pragas da Occasio

os vilões invisíveis da cana-de-açúcar

Foto: Shutterstock

São muitos os problemas que os canaviais brasileiros vêm enfrentando nos últimos anos. Seca e geadas interromperam grandes progressos que os canaviais estavam alcançando em todo o país, em uma grande recuperação com investimentos em insumos e equipes.

Mas além desses problemas, as pragas de solo têm deixado os agricultores e equipes de Usinas preocupados, pois, apesar dos altos investimentos em produtos e equipamentos, os resultados não têm sido os esperados.

Dentre as pragas de solo, os nematoides fitopatogênicos estão entre os mais importantes, levando entre 40-50% da produtividade quando em altas infestações.

Os nematoides-das-galhas, Meloidogyne incognita e M. javanica, são os mais danosos à cultura, mas ocorrem em menores quantidades quando comparados ao nematoide-das-lesões, Pratylenchus zeae, e que, por isso, acaba por causar perdas mais frequentes. O nematoide Pratylenchus brachyurus também é muito comum em amostras de solo, mas pouco se conhece sobre ele e seus possíveis danos à cultura.

Os vilões invisíveis da cana-de-açúcar

Ciclo de vida e fertilidade de fêmeas dos nematoides mais comuns em cana-de-açúcar.

Para diminuir a pressão populacional desses nematoides, pode-se utilizar de variedades tolerantes, visto que resistentes não existem para essa cultura, rotação com plantas não hospedeiras ou plantas armadilhas/antagonistas, como algumas crotalárias, e vinhaça e outras fontes de matéria orgânica.

Mas para o controle realmente efetivo dos nematoides, tem-se os nematicidas químicos e biológicos. A maioria dos nematicidas químicos na verdade é nematostática, ou seja, paralisa os nematoides por um determinado tempo e esse tempo normalmente é fatal para aqueles que estavam malnutridos. Os nematicidas químicos mais modernos são realmente “cidas” e afetam o desenvolvimento e reprodução dos principais nematoides.

 

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Escala de ocorrência, prejuízos e dificuldade de controle das principais espécies de nematoides que ocorrem em canaviais do Brasil.

Menos do que os mais antigos, os nematicidas químicos ainda continuam tóxicos aos humanos e ao ambiente, o que certamente é um fator a ser levado em consideração. E para quem precisa administrar a quantidade de princípios ativos que entrará no manejo fitossanitário da Unidade Agrícola, esse problema, apesar de menor, continua a existir.

Os nematicidas biológicos vêm dominando o mercado agrícola nos últimos anos, pois além de não serem tóxicos aos humanos, têm baixíssimo impacto para outros seres vivos e para o meio ambiente. Além disso, todos ocupam o espaço do solo onde poderiam desenvolver os nematoides e muitos melhoram a resistência das plantas aos nematoides, pragas e doenças e aumentam a quantidade de radicelas superficiais e de raízes profundas.

Os produtos biológicos da atualidade são muito superiores àqueles de dez anos atrás, pois hoje há menor necessidade de unidades vivas (conídios, bactérias etc.) por volume de produto devido à formulação eficaz, precisa e sofisticada. As empresas idôneas que comercializam esses produtos dominam a tecnologia de formulação, fazendo com que as unidades vivas estejam mais protegidas dos fatores ambientais adversos, que sejam mais bem fixadas no alvo e mais bem misturadas à calda, entre tantas outras melhorias.

Esse é um dos motivos dos quais os produtos formulados são muito superiores àqueles produzidos na própria fazenda, chamados de “on-farm”. Os produtos biológicos “on-farm” podem até ser de boa qualidade e conter realmente o que se acredita conter, mas nunca terá a performance de um similar formulado. Um “on-farm” necessariamente precisa ser aplicado no final do dia ou à noite, com umidade relativa do ar superior a 70% e a calda não pode ficar preparada muito tempo antes do uso (no máximo entre 4 e 6 horas).

Além disso, a dose de produto biológico é essencial não só para uma boa eficácia de controle, mas para garantir algum controle de nematoides, pragas ou patógenos que causam doenças em plantas. A faixa ideal de dose normalmente é estreita. Por isso, os produtos “on-farm” precisam ter a concentração de unidades vivas (atualmente sendo chamada de UFC = unidades formadoras de colônias) calculada para cada lote produzido na fazenda, para que uma dose pequena demais ou exagerada não seja aplicada.

Como exemplo, tem-se a bactéria Azospirillum brasilense, utilizada como fixadora de nitrogênio atmosférico e como bioestimulante. Para um produto com concentração de 2×108 UFC mL-1, as doses a serem aplicadas por hectare estão entre 200 e 700 mL. Se aplicar menos do que 200 ou mais do que 700 mL, dependendo da variedade de cana-de-açúcar, não há resposta da planta ao produto.

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Produtos à base de microrganismos “on-farm” em comparação aos formulados.

 

Existem alguns microrganismos que têm ação nematicida ou que alteram a biologia dos nematoides. Alguns fungos, como os dos gêneros Pochonia, Paecilomyces e Trichoderma, e bactérias, como as do gênero Bacillus, são os mais comuns e comercializados no Brasil.

Existem mais do que 300 espécies de Bacillus identificadas no mundo, mas apenas cerca de seis delas são comercializadas no país. Bacillus subtilis é a mais comum e a mais encontrada nos solos. É uma bactéria que é chamada de “multiuso”, pela versatilidade de substâncias que produz, com diferentes funções.

Essa bactéria é conhecida pelo crescimento vegetal que promove, pelos microrganismos que causam doenças em plantas que controla e pelos nutrientes que disponibiliza para as plantas.

No controle de nematoides, a produção de quitinases pela bactéria inibe a eclosão dos nematoides de seus ovos e reduz a quantidade de juvenis no solo, assim como o número de ovos. Vale lembrar que a casca dos ovos e a pele externa e do interior do intestino do nematoide tem quitina. Mas existem outras substâncias produzidas por B. subtilis que diminuem a ocorrência de juvenis no solo.

Não é diferente o que acontece na cultura da cana-de-açúcar, onde há diminuição de juvenis de Pratylenchus zeae e Meloidogyne spp.

Recentemente a UPL lançou um produto biológico formulado para o mercado canavieiro, o Biobac. Esse produto é uma formulação da bactéria Bacillus subtilis com o diferencial de apresentar a validade bastante longa. Isso por causa da formulação desenvolvida.

O Biobac surgiu inicialmente para o controle da ferrugem-do-cafeeiro, mas logo se mostrou interessante para o controle de nematoides e estreou no setor canavieiro no controle dessas pragas.

As bactérias revestem as raízes e as radicelas da cana-de-açúcar com um filme biológico (biofilme) e consomem os exsudatos produzidos, que impede a localização das raízes pelo nematoide, levando-os à morte.

Há produção de substâncias nematicidas, nematostáticas e que alteram a biologia dos nematoides. Algumas dessas substâncias induzem à resistência sistêmica da planta aos nematoides e algumas doenças, promovem o crescimento vegetal e até solubilizam o fósforo, tornando-o disponível para a planta.

Fazendo tudo isso, o produto diminui as populações de nematoides e melhora a performance da planta em acumular sacarose.

O controle biológico de nematoides na cana-de-açúcar é um caminho sem volta e vai substituir os químicos obsoletos a médio prazo. O Biobac, com sua durabilidade e eficácia, surge como um aliado importante para a cana-de-açúcar e para o produtor moderno, conectado com o mundo novo.

Os vilões invisíveis da cana-de-açúcar

Número médio de nematoides por amostra após um ano do tratamento em sulco de plantio de cana-de-açúcar da variedade IACSP-962042. Jandaia, GO, 2020.

 

Artigo publicado na Revista Gebio. Edição nº 1.  Clique aqui para conferir a edição completa:

Revista Gebio | Ano 1 | Edição nº 1