ABELHAS E FLORES DO COSMOS: BIOINDICADORES AMBIENTAIS DA DIVERSIDADE

Por Darclet Teresinha Malerbo-Souza
Departamento de Zootecnia Apicultura, Universidade Federal Rural de Pernambuco

 

Estima-se que haja mais de 20 mil espécies de abelhas no mundo e mais de 3.000 espécies no Brasil. Por outro lado, existem cerca de 250.000 espécies de angiospermas e, grande parte destas, depende de insetos para a polinização de suas flores e, consequentemente, para sua reprodução. A polinização é um serviço ecológico chave para a manutenção e a conservação dos ecossistemas. Os polinizadores primários da maioria das plantas são, principalmente, as abelhas, fornecendo serviços ecossistêmicos vitais para as culturas e comunidades de plantas nativas. Por isso, a manutenção das abelhas é de tamanha importância para a conservação dos mais variados habitats. Sem a polinização não seria possível que as plantas se reproduzissem e garantissem tanto o crescimento, quanto a sobrevivência, da vegetação nativa, consequentemente não produziriam as sementes e frutos, afetando a produção alimentícia.

As abelhas visitam as flores das mais variadas plantas, para coletar o pólen, como uma fonte de proteína, vitaminas, minerais e lipídeos, e o néctar para a produção de mel, que é responsável pelo fornecimento de carboidratos e energia. As abelhas se beneficiam do alimento oriundo das flores; as plantas se beneficiam por dar continuidade à reprodução e o agricultor se beneficia porque, através da polinização dos cultivares, geram-se frutos de melhor qualidade, maiores, mais pesados, e, por conseguinte, de maior valor.

Contudo, há aumento acelerado de destruição ambiental, colocando em risco de extinção diversas espécies no Brasil e no mundo, sendo ameaça para a manutenção da biodiversidade. No Brasil, as abelhas sem ferrão, também chamados de meliponíneos, são responsáveis por 40 a 90% da polinização das espécies silvestres de ambientes tropicais, sendo de fundamental importância e podendo atuar como bioindicadoras da qualidade ambiental.

Uma das espécies vegetais que atraem muitas espécies de abelhas é o cosmos (Cosmos sulphureus). É pertencente ao gênero Bidens, família Asteraceae, se destacando pela facilidade de dispersão e adaptação. Já foi constatado que essa planta possui efeito alelopático inibitório sobre outras ervas daninhas, sendo alvo de diversos estudos para avaliação de sua importância do controle de espécies em ambientes rurais.

É uma planta herbácea anual, originada da América do Norte e foi introduzida no Brasil como planta ornamental. É caracterizada por ser muito ramificada e florífera, podendo atingir até dois metros de altura, se propagando apenas por sementes. As flores do cosmos podem assumir coloração amarelo, alaranjada e arroxeada, com inflorescências do tipo capítulo (flores pequenas organizadas em espiral sobre a base/receptáculo). Possuem estruturas semelhantes às pétalas, mas que são estruturas que compõem a corola ligulada, que atrai polinizadores no geral, destacando-se as abelhas.

O cosmos é muito comum tanto em áreas urbanas quanto em áreas agrícolas. Floresce o ano todo, apresentando florada vigorosa, e grande capacidade de dispersão devido à presença de sementes com pápus plumosos e estruturas de aderência. O pólen é fornecido exclusivamente por flores do capítulo cujas anteras estão fundidas em um tubo. Depois de deiscência da antera, os grãos de pólen maduros liberados se acumulam dentro deste tubo. Insetos podem forragear esse pólen somente depois de ter sido empurrado para fora do tubo estaminal pelos estigmas. Este mecanismo de apresentação de pólen é típico para representantes da Asteraceae.

Abelhas e flores do cosmos

Figura 1. Fases da formação dos capítulos contendo as flores de cosmos (Cosmos sulphureus), desde botão até formação de sementes

São observadas várias espécies de abelhas coletando néctar e pólen, nas flores do cosmos. Dentre elas, espécies da família Halictidade: Pseudaugochloropsis graminea e Augochlora sp., abelhas solitárias Megachile rotundata, Xylocopa frontalis, X. griscenses e Bombus atratus, abelhas sem ferrão Plebeia remota, Trigona spinipes, Melipona scutellaris, M. fasciculata e abelhas africanizadas Apis mellifera. A abelha Ceratina sp. é observada, porém, em número reduzido. Espécies de lepidópteros, dípteros e vespídeos utilizam o néctar das flores como recurso alimentar. No geral, as abelhas visitam as flores do cosmos das 7h00 às 17h00, sendo mais frequentes entre 7h00 e 12h00.

Nas flores, temos abelhas da família Halictidae que é uma das mais diversificadas, no Brasil, e apresentam brilho metálico verde, azul, avermelhado ou mesmo negro. Como exemplos de espécies bastante comuns e bem distribuídas, tem-se a Pseudaugochloropsis graminea e Augochlora sp.

abelhas e flores do cosmos

Figura 2. Abelha Pseudachloropsis graminea coletando pólen, pelas escopas abdominais

abelhas e flores do cosmos

Figura 3. Abelha Augochlora sp. coletando pólen

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Chamada de abelha cortadora de folhas, a abelha solitária M. rotundata é europeia e foi introduzida em várias regiões do mundo. Por ser uma espécie solitária, não constrói colônias nem armazena mel, mas é um polinizador muito eficiente de alfafa, cenoura, outros vegetais e algumas frutas. Seus ninhos são forrados com folhas cortadas.

abelhas e flores do cosmos

Figura 4. Abelha Megachile rotundata coletando pólen

 

A abelha sem ferrão mirim Plebeia remota visita as flores para coleta de pólen. Essa abelha, pertencente ao grupo dos meliponíneos, pode ser utilizada comercialmente. Seu mel tem propriedades medicinais, de acordo com a cultura popular. É pequena, tímida e não defensiva. Produz própolis de consistência muito gosmenta, acumulada em montículos, e usada quando ameaçada, para imobilizar e empastelar os invasores. Pode ser usada na polinização de pepinos, dentro de estufas.

 

Abelhas e flores do cosmos

Figura 5. Abelha mirim (Plebeia remota) coletando pólen

As abelhas irapuás Trigona spinipes são observadas coletando pólen das flores do cosmos. Essa abelha pertence ao grupo dos meliponíneos, entretanto, não se utiliza seus produtos (mel, pólen, geoprópolis) devido ao seu hábito de coletar fezes e materiais em putrefação para a construção de seus ninhos. Mas, essa abelha é muto frequente nas flores de diversas plantas, sendo considerada supergeneralista, e é polinizadora do chuchuzeiro, por exemplo.

Abelhas e flores do cosmos

Figura 6. Abelha irapuá (Trigona spinipes) coletando pólen

A abelha sem ferrão uruçu nordestina Melipona scutellaris, também chamada de “uruçu” ou “uruçu-verdadeira”, é considerada a espécie de Melipona criada pelo homem com a maior distribuição nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, com registros do Rio Grande do Norte até Bahia. Seu nome comum vem do idioma Tupi “eiru su”, que na língua indígena significa “grande abelha”. Seu mel tem sabor agradável, menos doce que o mel das abelhas africanizadas e é uma abelha muito dócil, de fácil criação. A M. fasciculata, conhecida como uruçu cinzenta, também foi observada nas flores do cosmos. Essas duas espécies de melíponas coletaram néctar nessas flores.

Abelhas e flores do cosmos

Figura 7. Abelha uruçu nordestina (Melipona scutellaris) coletando néctar

Figura 8. Abelha uruçu cinzenta (Melipona fasciculata) coletando néctar

 

 

 

 

 

 

 

 

As abelhas mamangavas Xylocopa frontalis, X. griscenses e Bombus atratus foram observadas coletando néctar nas flores do cosmos, mas em menor número comparado com as outras espécies.

Abelhas e flores do cosmos

Figura 9. Abelha mamangava (Xylocopa griscenses) coletando néctar

Ceratina sp. (Apidae: Xylocopinae: Ceratinini) são abelhas pequenas e solitárias que, apesar do tamanho e são amplamente distribuídas pelo mundo. Recentemente, foi identificada uma nova espécie de Ceratina (Ceratina fioreseana) em fazenda de Goiás (Oliveira et al., 2020).

Abelhas e flores do cosmos

Figura 10. Abelha Ceratina sp. coletando pólen

As abelhas africanizadas Apis mellifera coletam tanto néctar quanto pólen e são muito frequentes nas flores do cosmos.

Abelhas e flores do cosmos

Figura 11. Abelha africanizada Apis mellifera coletando pólen

Quando espécies de abelhas são abundantes em determinada espécie vegetal indica ambientes preservados. Estudos têm mostrado que as cidades poderiam ser reservatórios de polinizadores, com maior biodiversidade de insetos, em comparação com o campo. Alta diversidade de espécies de plantas é característica de várias áreas urbanas. Riqueza de espécies de plantas geralmente aumentam nas cidades em comparação com áreas naturais. Portanto, as áreas urbanas são favoráveis aos polinizadores silvestres. O aumento da riqueza vegetal nas cidades acontece usando espécies de plantas ornamentais nativas e estrangeiras, em paisagismo e jardinagem.

Além disso, mais recursos florais para as abelhas urbanas podem ser alcançados encorajando o crescimento de plantas apícolas ornamentais em jardinagem, paisagismo e para a sustentabilidade. As plantas ornamentais nem sempre são pensadas para serem boas para abelhas porque não são sempre visíveis os recursos de pólen ou néctar. Porém, muitas são adequadas para as abelhas que os visitam intensamente. Plantas ornamentais com floração em diferentes períodos, se manejados intensivamente, produzem flores e recursos (néctar e pólen) que estarão disponíveis de forma mais consistente aos visitantes de insetos, mesmo em tempos de seca.

Ao analisar as diferenças entre a paisagem rural e urbana, observa-se que a rural é caracterizada por ser um ambiente pouco transformado quando comparada com a alta biodiversidade de espécies vegetais no ambiente urbano, uma vez que as espécies da paisagem rural comumente se associam à agricultura, silvicultura e pecuária.

O conhecimento das plantas fornecedoras de recursos tróficos (principalmente pólen e néctar) às abelhas é essencial para o estabelecimento de programas de conservação desses animais.

Portanto, o cosmos pode ser utilizado como espécie ornamental e deve ser plantada próxima à meliponários e apiários, sendo importante fonte de recursos alimentares para as abelhas. É considerada boa indicadora de preservação do ambiente e da diversidade de abelhas.

 

Literatura consultada

BARBOSA, D.B. et al. As abelhas e seu serviço ecossistêmico de polinização. Revista Eletrônica Científica da UERGS, v. 3, n. 4, p. 694-703, 2017.

COSTA.C, OLIVEIRA.F. Polinização: serviços ecossistêmicos e o seu uso na agricultura. 8º Edição. Mossoró-RJ. Revista Verde de Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável, 2013.

MALERBO-SOUZA, D. T., TOLEDO, V. A. A.; PINTO, A.S. Ecologia da Polinização. CP2, Piracicaba. 2008.

OLIVEIRA, F.F., SILVA, L.R.S., ZANELLA, F.C.V., GARCIA, C.T., PEREIRA, H.L., QUAGLIERINI, C., PIGOZZO, C.M. A new species of Ceratina (Ceratinula) Moure, 1941, with notes on the taxonomy and distribution of Ceratina (Ceratinula) manni Cockerell, 1912, and an identification key for species of this subgenus known from Brazil (Hymenoptera, Apidae, Ceratinini). Zookeys, 1006. p. 137-165, 2020.

OLIVEIRA, M.A., GOMES, C.F.F., PIRES, E.M., MARINHO, C.G.S., DELLA LUCIA, T.M.C. Bioindicadores ambientais: insetos como um instrumento desta avaliação. Revista Ceres, v. 61, Suplemento, p. 800-807, 2014.

ROBERTO, G.B.P. et al. As abelhas polinizadoras nas propriedades rurais. Rio de Janeiro: Funbio, 2015.

SILVA, B.P. ALVES, P. L. C. A.; VARELA MONTOYA, R. M.; NEPOMUCENO, M. Potencial alelopático de Cosmos sulphureus Cav., 2017,Tese Doutorado em Agronomia, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinária, UNESP, Jaboticabal.

SILVEIRA, F.A.; MELO, G.A.R.; ALMEIDA, E.A.B. Abelhas brasileiras: Sistemática e identificação. Belo Horizonte: Fundação Araucária, 2002.

Artigo publicado na Revista Gebio. Edição nº 1.  Clique aqui para conferir a edição completa.