CAMPO GRAVENA

ARTRÓPODES BENÉFICOS EM CITROS SUMIRAM COM TOLERÂNCIA ZERO AO GREENING

Fig. 1. Evento comum nos pomares brasileiros em tempos de greening: predador de pragas dos citros imigrante solitário fêmea Harmonia axyridis depositando ovos entre uma pulverização e outra de inseticida de largo espectro de ácaro.

Fig. 2. Vetor do Greening Diaphorina citri Hemiptera: Liviidae)

A primavera silenciosa da Rachel Carson dos anos 1960 está diante dos nossos olhos em pleno século 21, quando setores ambientalistas estão mais atentos pressionando o agronegócio citros, que para manter suas altas produções (cerca de 300 milhões de caixas por ano)  precisaram adotar a “Tolerância Zero” (TZ) ao vetor do greening (FIg. 2), a mais devastadora doença desse século: Psilídeo dos Citros, Diaphorina citri.

Acontece, porém, que a doença Greening, também conhecida como HLB (HuangLongBing), é uma bactéria, Candidatus Liberibacter asiaticus que habita e entope o floema, matando a planta cítrica iinteira. A “tolerância zero” ao psilídeo com calendários de inseticidas, e a bactéria sendo erradicação, é que permite manter alta a produção brasileira como primeira do mundo, com exportação do suco concentrado para a Europa, Estados Unidos e Japão. A “limpeza” do ecossistema cítrico tem início no plantio com aplicações sequenciais semanais de inseticidas de largo espectro de ação, ainda que se mantenha a nossa recomendação de incluir biodiversidade nas entre-linhas, desde os anos 1980. Durante o tempo de formação que leva 3 a 4 anos, essas aplicações são feitas regularmente seguindo o princípio de tolerância zero ao inseto vetor porque este não dá trégua. Na picada de prova, imigrando dos vizinhos, o adulto já deixa a bactéria iniciando a infecção primária no pomar novo. O inseticida impede isso quase 100%, quando aplicado semanalmente em calendário, mas como não há muita opção de grupos químicos para rotacionar não se evita a seleção para resistência, tanto para o seu alvo principal que é o próprio psilídeo, como para as demais pragas como o ácaro da leprose, moscas brancas, cochonilhas e lagartas.

Fig. 3. Furo no dorso da ninfa do psilídeo D. citri indicando parasitismo por Tamarixia radiata

Felizmente essa seleção sobre adultos isolados, dispersos, esparsos, em processo de migração se torna muito difícil na prática, mas os imigrantes de pomares vizinhos onde já se pulverizou populações de infecção secundária pode ter havido seleção para resistência e o imigrante já chegado no pomar novo pode já estar tolerante ou resistente e como sobrevivente, no processo de sugamento, introduzindo a bactéria.

O mesmo pode ocorrer com os inimigos naturais nessa fase de formação dos pomares. Muito raramente um predador ou um parasitóide imigrante pode vir resistente a inseticidas de vizinhos que se multiplicaram sob calendários sucessivos de inseticidas. O que ocorre é uma total devastação de populações de inimigos naturais (insetos e ácaros benéficos) durante a formação de um pomar em tempos de greening (Fig. 6).

Fig. 4. Larva nova de Harmonia axyridis predando adulto do Psilídeo D. citri.

Para que um parasitóide ou um predador se estabeleça, obviamente, é preciso ter muitos hospedeiros ou várias presas, respectivamente, disponíveis em colônias ou isoladas, de uma praga (tipo psilídeo, pulgões, cochonilha, mosca branca, lagarta mede-palmo, etc) já estabelecidas previamente sobre a planta cítrica. E se essa praga é vetora de um patógeno, este já foi inserido na planta antes da atuação do inimigo natural e já afetou a planta caso esse patógeno for devastador como o Greening. É por esse motivo que os citricultores lançam mão do calendário que normalmente é mensal, mas alguns o fazem quinzenal, e há os que se arriscam a fazer semanalmente. É o chamado de “Tolerância zero ao Psilídeo e à Bactéria”. É não dar chance ao vetor imigrante sobreviver na chegada ao pomar e nem se estabelecer para procriar. Assim, nem o seu parasito principal que é a Tamarixia radiata (Fig. 3, ninfa perfurada) consegue se estabelecer no pomar sob intensa aplicação de inseticidas pois não teria o hospedeiro para a sua reprodução.

Fig 5. Larva nova de H. axyridis predando ninfa do Psilídeo
D. citri.

O artrópodes benéficos que sumiram

O silêncio nos agroecossistemas, em especial nos citros, se iniciaram nos anos 1980, mais precisamente em 1987, quando a bactéria habitante do xilema das plantas cítricas era transmitida pelas cigarrinhas da família Cicadellidae, nativas do Brasil. Esta bactéria já existia em plantas de uva nos Estados Unidos, cujo nome vulgar é Pierces Disease, causado pela bactéria Xilella fastidiosa. Para evitar que esta bactéria aniquilasse pomares inteiros, adotaram já os calendários de pulverizações, que não eram tão intensos porque o patógeno tinha evolução de entupimento dos vasos ascendentemente e com podas poderia evitar a erradicação total das plantas. A primavera silenciosa se radicalizou com a vinda do greening

Fig. 6. Este é o pulgão marrom dos citros onde em condições naturais as formas em “bolas” são os pulgões fêmeas parasitadas por parasitóides e as larvas brancas são da joaninha Scymnus spp. Condições: sem calendário de aplicações.

em 2004, com a bactéria já citada acima que entope o floema, portanto é descendente na evolução, sendo então muito mais daninha à citricultura, chegando à erradicações mais intensas mesmo após calendários mais significativos e frequentes de aplicações de inseticidas. Assim, de um sistema em que predominavam cochonilhas de carapaça como escama pardinha, escama parlatoria preta, escama farinha, etc, que agregavam joaninhas como Pentilia egena (Fig. 7) e Coccidophillus citricola como predadores e Aphytis holoxanthus, A. lepidosaphes e A. lingnaneinsis como parasitóides. As cochonilhas sem carapaça Planococcus citri, Praelongaorthezia praelonga, etc, e seu predador principal Azya luteipes (Coleoptera: Coccinellidae). As moscas brancas comuns daquela época, Aleurothrixus floccosus, Dialeurodes citri e a, assim por mim denominada, mosca-branca-japonesa, Parabemisia myricae e seus predadores, bicho lixeiro Ceraeochrysa cubana (Fig. 8), Joaninhas Cycloneda sanguínea, Harmonia axiridis, Hipodammia convergens etc. as quais são atraídas por pulgões que não são alvos do manejo, mas são afetadas pelos calendários, deixando de atrair essas joaninhas que são boas predadoras de moscas brancas e principalmente psilídeo ninfas até adultos (fig.4 e 5). Na parte aérea desapareceram também as aranhas citrícolas Frigga quintensis (fig. 9), Misumenopis spp. (fig. 10) e a parente da viúva negra Latrodectus sp. Na

parte do solo, nos pomares em que se adotou a TZ, que são todos praticamente, tanto os destinados à indústria como os que vão para o mercado “in natura”, não se encontram mais formigas predadoras de lagartas e larvas de moscas, como as do gênero Pheidole e a lava-pés Solenopsis invicta (Fig. 11). Também as aranhas predadoras que habitam o solo sob os detritos orgânicos. É a condição que chamamos de desertificação dos agroecossistemas citrícolas. Contribuem para o aumento dos surtos de Bicho Furão e Moscas das Frutas.

Como tentamos retornar o CB no agro ecossistema citros

Fig. 7a

Fig 7

Em meio a pulverizações em calendários fixados mensal, quinzenal ou semanalmente em pomares em produção não haveria lugar tranquilo para liberação de predadores e parasitóides de laboratório, como Trichogramma pretiosum e T. atopovirilia para Bicho Furão ou Tamarixia radiata para Psilídeo do Greening. Então, a forma de entrar o controle biológico no MEPC – Manejo Ecológico de Pragas dos Citros compartilhando com os calendários é entrar com microbiodefensivos nos calendários. Estes, segundo a diretora-executiva da ABC Bio, Amália Borsari, há mais de 200 produtos registrados, volume que cresceu mais de 50% no período de dois anos, 2018 – 2019. A citricultura está começando a adotar os microbiodefensivos para algumas pragas e nós estamos empenhados em difundir a estratégia de emprego do sistema de 2 Manejos sustentados por outro importante manejo que é o fisiológico do greening MFG defendido pela empresa CONPLANT (@conplant), sob a tutela do Dr. Camilo Medina, Consultor do GCONCI – Grupo de Consultores em Citros, sediados em Cordeirópolis (@gconci).

Adoção dos 2 manejos onde entra Alternância com microbiodefensivos e o MFG

Fig. 8

Para compensar os efeitos da TZ que por muito tempo estará presente nos pomares em função da ameaça constante do greening, enquanto não surgir algo contundente contra a bactéria C. Liberibacter asiaticus e para retornarmos integralmente ao MEP, sugerimos adotar aos poucos os sistemas de 2 manejos de pragas reforçados pelo MFG. Este sistema, o MFG, segundo Camilo, condiciona a planta a um reforço fisiológico através de fertilizantes foliares especiais, aplicados com maior frequência, que além de compensar parte da perda de absorção

Fig. 8a

de nutrientes devido à redução do sistema radicular nas plantas doentes, irá permitir melhor circulação de seiva nos vasos, mesmo com a presença da bactéria. Isso se eventualmente essas plantas tiverem sido infectadas porque alguns vetores não foram controlados pelos inseticidas e microbiodefensivos aplicados no sistema de manejo I, por ineficácia devido erros como tecnologia de aplicação, dosagens, por impossibilidade de rotação correta de defensivos como manda o manejo de resistência etc. O Manejo I do Psilídeo – Calendário de 12 aplicações mensais alternados os grupos químicos de acordo com o IRAC Brasil e intercalados ou consorciados com produtos microbiodenfensivos registrados. O Manejo II Ecológico das outras Pragas integrada e sincronizadamente com o Manejo I.

O Manejo I do Psilídeo e Manejo II Ecológico das outras Pragas

Fig 9.

Enquanto tivermos que aplicar mensalmente inseticidas para evitar o psilídeo adulto migrante e eventuais psilídeos em colônias se reproduzindo no pomar vindos dos vizinhos, devemos fazê-lo cuidadosamente garantindo a eficácia do controle, mas ao mesmo tempo alternando grupos químicos, modos de ação de acordo com a indicação do IRAC-Br atualizado e intercalados como produtos biodefensivos como os à base de extratos de plantas, Azadiracta indica, e biológicos como o fungo Isaria fumosorosea. Além desses cuidados como o psilídeo, devemos prestar atenção a tomada de decisões de controle biológico e sustentáveis contra

Fig. 10

outras pragas importantes como o ácaro da leprose, resgatando as nossas indicações dentro do MEP-Manejo Ecológico das outras pragas, mantendo as atividades dos Pragueiros (Fig.   12). No MEP também são aplicáveis atualmente para o Bicho Furão, Gymnandrosoma aurantiana, a liberação do Trichogramma pretiosum e o T. atopovirilia que é mais eficiente contra o ovo do Bicho Furão, segundo informação do Prof. Parra (ESALQ/USP). Contra as moscas das frutas a aplicação ecológica é o controle por captura massal pela CERATRAP, um conjunto de atrativos alimentares que atrai as moscas de longa distância para as armadilhas montadas numa densidade de 80 a 120/ha.

Fig.11

Com a reintegração do Manejo do Psilídeo com o Manejo das outras pragas ecologicamente estaremos oferecendo à sociedade a produção cítrica de forma sustentável e os inimigos naturais retornarão nos pomares deixando-os de serem protagonistas de “Primavera Silenciosa” evocada por Rachel Carson nos anos 1960. Não veremos mais o esforço daquela joaninha Harmonia migrante botando ovos às “pressas” (Fig.1) pois pode ser morta pelo inseticida que certamente será aplicado para controlar o psilídeo vetor também imigrante da terrível doença que é o Greening (HLB). Aproveitamos também, para finalizar, resgatar e enaltecer o hábito de manter, cultivar a cobertura vegetal nas entrelinhas como tática de incentivar o aumento das populações de artrópodes benéficos no agronegócio citros como atitude de promover o sequestro de carbono numa citricultura sustentável ecologicamente.

 

Artigo publicado na Revista Gebio. Edição nº 1.  Clique aqui para conferir a edição completa.