Por Alexandre de Sene Pinto, Consultor em Manejo Inteligente de Pragas da Occasio

broca da cana

Foto: Shutterstock

BROCA-DA-CANA: A PRAGA COM MÚLTIPLAS OPÇÕES DE CONTROLE

É plantar cana-de-açúcar e lá vem ela, a broca-da-cana. Praga do mundo ocidental, todos os anos ela é motivo de dor de cabeça para os agricultores e para as Usinas. Essa praga que pertence ao gênero Diatraea, hoje representado por 21 espécies, tem 15 delas no Brasil. Ainda bem que atacando cana só existem duas espécies no nosso país: Diatraea saccharalis, a mais comum, e D. impersonatella, antigamente conhecida como D. flavipennella e abundante em algumas regiões do Nordeste.
É uma mariposa de ciclo curto para a cana-de-açúcar, pois numa região onde a temperatura média fica ao redor de 25ºC ela leva cerca de 45 dias desde que um ovo é colocado até atingir a fase adulta.

 

broca da cana

Ciclo de vida (±25ºC) e hábitos da broca-da-cana.

Quando nova, a lagarta fura folhas jovens e ainda fechadas (deixando furos espelhados quando abertas), raspa folhas de todas as idades e perfura o colmo na região macia das gemas. Até entrar no colmo, a lagarta já trocou a pele pelo menos uma vez e cresceu.

broca da cana

Furos espelhados devido a alimentação das lagartas novas em folhas ainda fechadas dentro do cartucho (folha de milho)

Dentro do colmo, a lagarta vai trocar a pele mais quatro vezes e vai causar um estrago tão grande quanto menos fibrosa ou mais suscetível a doenças for a variedade atacada. Uma lagarta bem desenvolvida pode sair e entrar novamente no mesmo colmo ou em outro próximo, pela região superior ou inferior da planta. Na região inferior é mais comum a lagarta reentrar no colmo quando o ambiente está muito quente ou seco.
Depois de causar todo o estrago possível dentro do colmo, a lagarta fura a cana e empupa, formando uma pupa (crisálida) perto do orifício de saída, que é bem grande. Em pouco mais de uma semana os adultos começam a emergir, primeiro os machos e, dois dias depois, as fêmeas. Os machos são atraídos pelo feromônio sexual liberado pelas fêmeas do começo da noite até umas 22h. Depois de dois dias de copulada as fêmeas começam a colocar seus ovos em grupos de mais ou menos 10, de um total de cerca de 700 ovos. Nas bordaduras do canavial as posturas têm mais ovos, provavelmente na tentativa de atrair predadores para esse local. Na seca, as posturas são menores, com cerca de 5 ovos, e são colocadas mais para a parte inferior das plantas, local mais úmido.
O período em que a broca-da-cana fica fora do colmo é bem curto e é exatamente o período em que a maioria dos produtos, químicos ou biológicos, é eficaz.
São muitos os produtos e as estratégias para o controle da broca-da-cana. A decisão por algum deles dependerá da época de ocorrência da praga, da suscetibilidade das plantas à praga, da presença de culturas ou criações na vizinhança (regiões conhecidas como áreas de restrição), do tipo de manejo que se pretende fazer (biológico, químico ou associando ambos) e até do quanto que se pretende gastar.
Para quaisquer produtos ou estratégias, o momento de aplicação precisa ser bem definido e respeitado. Hoje, tem-se preferido monitorar a broca-da-cana com armadilhas de feromônio que capturam mariposas machos e permitem um período de controle bem dilatado em relação as técnicas anteriores.
A melhor estratégia para as armadilhas de feromônio é trabalhar com blocos de manejo de pelo menos 500 hectares, onde uma armadilha a cada 50 hectares será instalada. As armadilhas ficam uma semana no campo e se 30% delas capturarem pelo menos 10 machos (NÍVEL DE CONTROLE), realiza-se o controle em todo o bloco de manejo.
O período de realização do controle da broca-da-cana varia com o produto escolhido. No caso de produtos à base de Bacillus thuringiensis esse período não foi definido, mas deve ser entre 5 e 15 dias após atingir o nível de controle.

broca de cana

Período de aplicação de produtos após a constatação do nível de controle em armadilhas de feromônio da broca-da-cana

São muitos os inseticidas, químicos ou biológicos, que podem ser escolhidos para o controle da broca-da-cana. Dentre os químicos há as diamidas (clorantraniliprole e flubendiamida), o pirazol (fipronil) e os chamados “fisiológicos” dos grupos das benzoilureias (clorfluazurom, diflubenzurom, lufenurom, novalurom, teflubenzurom e triflumurom) e diacilhidrazina (tebufenozida). Também há as misturas de clorantraniliprole + lambda-cialotrina (piretroide), lambda-cialotrina + tiametoxam (neonicotinoide) e metoxifenozida (diacilhidrazina) + espinetoram (espinosina).
Dentre os biológicos, tem o produto à base da bactéria Bacillus thuringiensis var. kurstaki, o fungo Beauveria bassiana e as vespinhas parasitoide de ovos, Trichogramma galloi, de lagartas, Cotesia flavipes, e de lagartas e pupas, Tetrastichus howardi.
O fungo Isaria fumosorosea (hoje mudou para Cordyceps fumosorosea) tem sido muito estudado para o controle da broca-da-cana e tem mostrado excelentes resultados em campo no controle de ovos, lagartas e pupas.
Com tantas opções, é possível desenvolver diferentes estratégias de manejo da broca. Nas nossas experiências com consultorias em mais de 60 usinas, algumas estratégias tem se mostrado bem regulares e eficazes. Algumas serão discutidas aqui e que se encaixam em muitas das situações que os produtores de cana-de-açúcar vivem.

CONTROLE DE INÍCIO DAS CHUVAS E NA SECA
No período chuvoso, em outubro-novembro no Sul, Sudeste, Norte e Centro-Oeste e março-abril no Nordeste, a população da broca-da-cana explode, pois vem de um período sem a presença de inimigos naturais. É o período ideal para usar tudo o que tiver de melhor às mãos e mais um pouco, se possível.
Normalmente se usam os produtos químicos ou biológicos com maiores períodos de ação seguidos de uma liberação de Cotesia flavipes (por volta de 7-10 dias depois do primeiro controle). Ou os mesmos produtos seguidos de um dos fungos destacados. Ou a associação dos químicos de maiores períodos de ação com inseticidas fisiológicos ou fungos.
No período seco, a ocorrência da broca-da-cana diminui, mas ainda existem infestações a serem controladas. Nesse caso, o uso de inseticidas fisiológicos ou da vespinha Cotesia podem ser boas opções. A microvespa Trichogramma galloi também pode ser usada, sem prejuízo algum ao controle. “Se é bom para a broca, é bom para Trichogramma”, lembre-se sempre disso na hora de decidir pela estratégia.

broca da cana

Ação de produtos biológicos ou químicos em diferentes épocas do ano.

 

VARIEDADES SUSCETÍVEIS À BROCA-DA-CANA

broca da cana

Foto: Shutterstock

As variedades mais suscetíveis à broca geralmente são pouco fibrosas. Enquanto em uma variedade com muitas fibras a lagartas consegue perfurar um ou dois entrenós, em uma variedade pouco fibrosa essa mesma lagarta perfura quatro até seis entrenós durante a sua vida. Como não existem produtos que controlem 100% da praga, sobrar lagartas nessas variedades pouco fibrosas é um problema grande.
Para as variedades suscetíveis, a liberação de Cotesia após a adoção de qualquer medida de controle ajudará na manutenção de baixas populações. Não esqueça de calcular quando a vespinha deverá entrar em cena, para não aplicar fora do período ideal de ação dela.

 

ÁREAS DE RESTRIÇÃO E MANEJO BIOLÓGICO
Em áreas vizinhas a agricultores ou pecuaristas que poderiam sofrer com a aplicação de produtos químicos, especialmente quando a aplicação for aérea, não há melhor estratégia do que fazer o manejo biológico da broca-da-cana.
São muitas estratégias, mas a liberação de Trichogramma galloi por meio de drones é a que garante maior período de ação. Três liberações em semanas seguidas de Trichogramma garante controle por 60 dias da primeira liberação. Se forem realizadas 5 liberações em semanas seguidas, esse período se estende para 120 dias.

BROCA DA CANA

Ação de produtos biológicos ou químicos em diferentes épocas do ano.

A aplicação dos fungos Beauveria bassiana ou Isaria fumosorosea são outras boas estratégias, com períodos de ação de 40 a 50 dias, respectivamente. Se chove demais, esse período diminui 10 dias.
Apesar desses fungos afetarem lagartas do bicho-da-seda, vale lembrar que ambos existem na Natureza e que criações sem muita limpeza estariam sujeitas a eles de qualquer forma, pois ocorrem naturalmente.

Algumas estratégias de manejo da broca-da-cana em diferentes épocas do ano.

São poucos os técnicos que conhecem de fato como aplicar produtos biológicos. Uma das regras mais importantes é não aplicar nem muito menos e nem muito mais do que a Ciência determina como a quantidade ideal.
Como exemplo, a dose da vespinha Trichogramma galloi, em todos os possíveis níveis de infestação de ovos da broca-da-cana no Brasil, é de 50.000 parasitoides por hectare, em cada liberação. Se aplicar 100.000 de uma única vez, a eficácia de controle pode cair bastante.
É o que acontece com Cotesia flavipes. Nesse caso, a dose varia de 6.000 a 18.000 vespinhas por hectare. Como essa vespinha tem dificuldade de encontrar a broca em infestações menores do que 1.500 lagartas grandes por hectare, a dose a ser liberada é de 9.000 vespinhas. Em infestações entre 1.500 e 5.000, a dose é de 6.000 vespinhas. Em infestações superiores a essa, são duas vespinhas para cada broca encontrada, até o limite de 18.000 parasitoides por hectare.
Isso também serve para os fungos, bactérias e vírus, mas os valores superiores ainda não são bem conhecidos.
Em áreas irrigadas continuamente, tem-se a possibilidade de aplicar os fungos ou a bactéria na água de irrigação. Com a vantagem de parcelar bastante a dose a ser aplicada. Mas essas áreas sempre exigem mais atenção, pelo maior ataque da broca-da-cana. É o caso das áreas de bacia de vinhaça e de cana-planta, com plantas mais suscetíveis.
Com tantas opções, estratégias de controle não faltam. É sentar-se no escritório e decidir pelas opções melhores para cada situação. Mas lembre-se, não perca o momento correto de aplicação dos produtos escolhidos, pois isso comprometeria totalmente quaisquer estratégias definidas.