Por Lucas Vinicius Cantori, doutorando de Entomologia na ESALQ/USP.

O fungo

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Colmos de cana-de-açúcar com galerias da broca-da-cana e podridão-vermelha.

A podridão-vermelha é uma das mais importantes doenças que acomete o setor sucroalcooleiro. Essa doença gera um prejuízo anual no Brasil na ordem de R$5 bilhões. O causador dessa doença é um fungo chamado Fusarium verticillioides.

Durante muito tempo acreditou-se que essa doença estaria ligada aos danos indiretos causados pela lagarta da broca-da-cana-de-açúcar (Diatraea saccharalis) e por outros danos físicos no caule da planta. O fungo então aproveitaria a porta de entrada e proliferaria no interior dos colmos da planta.

A pesquisa

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Adulto da broca-da-cana.

Recentemente foi conduzida uma pesquisa na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo (ESALQ/USP) que indica uma outra via de infecção desse fungo e que a dinâmica de transmissão é um pouco diferente do habitual. Os pesquisadores descobriram que na verdade é o fungo que atrai o inseto (a broca) e não como se pensava. Segundo os autores, é o primeiro caso com embasamento científico de um fungo entomopatogênico manipulando um inseto (broca) e o hospedeiro (planta) para seu benefício.

Habitualmente, os fungos oportunistas não são dependentes de outros organismos para infectar um hospedeiro, basta haver lesões estruturais no hospedeiro para infectá-lo. Ao contrário do que se sabia, a podridão-vermelha não funciona dessa maneira. O fungo F. verticillioides é capaz, por meio de estímulos químicos, alterar as características comportamentais da broca-da-cana e da planta.

Os resultados

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Lagarta da broca-da-cana.

Os pesquisadores descobriram, por meio de uma série de experimentos, que as plantas infectadas por F. verticillioides produzem compostos químicos que atraem as fêmeas copuladas da broca. Depois de atraídas, essas fêmeas colocam seus ovos nas plantas infectadas. As lagartas eclodem e penetram os colmos. Dentro dos colmos as lagartas ainda são atraídas pelos compostos produzidos pelo fungo e são estimuladas a se alimentar. Nesse processo, as lagartas são contaminadas e a contaminação passa pelos estágios de desenvolvimento até a fase adulta.

Uma vez infectadas, as mariposas podem transmitir o fungo para a próxima geração, por meio de seus ovos (transmissão vertical). O interessante é que as mariposas infectadas são mais atraídas pelas plantas sadias. Ao contrário, acontece com mariposas não infectadas, elas têm preferência por plantas infectadas pelo fungo. Esse comportamento aumenta a disseminação do fungo nos canaviais.

Segundo as observações dos autores, a infecção do fungo não beneficia diretamente o inseto, pois altera a sua biologia, ao contrário de outras interações planta-inseto-fungo, nas quais o fungo fornece uma qualidade nutricional superior para a prole. Por outro lado, a broca-da-cana alimentada em plantas infectadas pelo fungo, são evitadas pela vespinha Cotesia flavipes. Portanto, para a broca-da-cana, o custo da alimentação de plantas infectadas pode ser compensado pelo fato de serem evitadas pela C. flavipes.

Por causa desse mecanismo de manipulação da praga e da cana-de-açúcar, a podridão-vermelha é disseminada rapidamente nos canaviais causando grandes prejuízos anualmente no Brasil. A descoberta do modo de infecção e disseminação do fungo F. verticillioides talvez, no futuro, possa alterar o modo em que se combate essa doença.

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Artigo publicado na Revista Gebio. Edição nº 1.  Clique aqui para conferir a edição completa.